Textos do romancista em livro mostram um administrador público incrível e humor ácido, sem abrir mão da honestidade e preocupação com a cidade.
De forma surpreendente, foi ocupar o cargo de prefeito de Palmeira dos Índios, no sertão de Alagoas, aos 37 anos, que incentivou a escrita do primeiro livro de Graciliano Ramos, um dos renomados nomes da literatura brasileira, responsável pelas obras-primas Vidas secas e São Bernardo.
Além de ser reconhecido como um talentoso escritor, Graciliano Ramos também foi um político engajado, o que influenciou diretamente em sua produção literária, tornando-o um autor multifacetado e aclamado pela crítica especializada.
Graciliano Ramos: O Prefeito Escritor
Nascido em 1892, na vizinha Quebrangulo, Graciliano Ramos comandou o Executivo da então pequena cidade no agreste alagoano entre janeiro de 1927 e abril de 1930, quando renunciou ao cargo. Os relatórios anuais escritos pelo autor ao Conselho Municipal e ao governador são incríveis — meticulosamente elaborados, deixam transparecer o humor ácido do romancista.
Já àquela época, os textos impressionaram tanto que ganharam duas edições impressas e foram parar no Rio de Janeiro. Lá, chegaram às mãos do escritor, empresário e editor Augusto Frederico Schmidt, o responsável por lançar o primeiro romance de Graciliano, Caetés, em 1933.
Agora, pela primeira vez, ambas são reunidas em um só volume no livro O prefeito escritor – Dois retratos de uma administração. Lançado pela Record, com prefácio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a obra é uma pérola. Divertida, revela um Graciliano desconhecido do grande público.
Bem-humorado e um tanto ranzinza, com uma honestidade inegociável, Graciliano Ramos fez uma gestão marcada pelo combate ao desperdício de verba, à ineficiência e ao patrimonialismo. Nesse enfrentamento, extinguiu superfaturamentos, concluiu obras deixadas pela metade e deu atenção, com afinco, à qualidade de vida dos moradores de Palmeira dos Índios.
Além do conteúdo estritamente político, críticos são unânimes em afirmar que os relatórios são também textos de indiscutível verve literária, bem ao estilo do futuro escritor. Frases bem elaboradas, diretas, corajosas e austeras, que não hesitavam em dizer o que precisava ser dito.
São anotações que trazem a preocupação de se fazer entender e acabam por construir um testemunho dos atributos que todo político deveria ter como exemplo de correção: a seriedade com responsabilidades advinda do cargo, o caráter íntegro e honrado, a sede por combater os maus hábitos políticos.
Observa Lula que, ao ler o livro, deparou-se não com o autor do romance Angústia, mas com o angustiado prefeito de Palmeira dos Índios. ‘A exemplo dos pobres retirantes de Vidas secas, vemos aqui um homem público às voltas com as mazelas da seca e da pobreza’.
‘Pagamos até a luz que a lua nos dá’. Sem dúvida, Graciliano justifica de maneira original a destinação dos escassos recursos do município: ‘Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão mais algum tempo. São os munícipes que não reclamam’.
Em outro relatório, o gestor alagoano reclama dos valores elevados e dos maus serviços prestados pela companhia de luz, empresa privada que foi contratada pelo prefeito anterior: ‘Apesar de ser o negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo [o contrato] às escuras. É um bluff [blefe]. Pagamos até a luz que a lua nos dá’.
A espirituosidade de Graciliano dá sabor à burocracia. Entre números e contas, há sempre comentários deliciosos. Favores políticos não eram comuns para o escritor, que parecia ter uma visão inigualável sobre a administração pública e a vida política. Graciliano Ramos, o autor, romancista, deixou um legado de honestidade e preocupação com o bem-estar da população, tornando-se um exemplo inegociável de retidão e comprometimento.
Fonte: @ NEO FEED
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